Missão do Governo – Planear o Futuro

Uma das mais importantes funções do Governo é planear o futuro da nação e organizar todos os intervenientes para colocar esses planos em prática.
Teoricamente é isso que está a fazer quando planeia um novo aeroporto ou uma linha de comboio, mas também é disso que se esquece quando gere o sistema judicial ou o sistema educativo de uma forma economicista.
Na educação, por exemplo, o Governo tem um importante papel a desempenhar, e que lhe permite moldar o futuro da nação. Cada indíviduo irá sempre escolher aquela que acha que é a melhor opção para si de entre as que tem à sua disposição, mas o Governo tem a oportunidade de definir quais são as opções mais abundantes e quais as que existem em menor quantidade, moldando assim, com alguns anos de antecedência a formação mais comum entre os seus cidadãos.
Ao decidir o número de vagas que vai abrir em cada curso, os cursos que aprova, os que encerra (ou não), o Governo pode analisar, principalmente, quatro grandes factores:

  1. Os interesses economicistas das coorporações de ensino. Numa sociedade ideal em que as universidades tenham uma ligação real com o mundo do trabalho, estas podem ser um bom aliado do Governo na identificação das necessidades formativas da sociedade. Mas quando as faculdades apenas têm interesse no número de alunos que a frequentam, sem interesse de maior pela qualidade técnica dos formandos que despejam no mercado de trabalho, o interesse das faculdades em iniciar cursos ou alterar o número de vagas dos existentes, pode ser um dos poires indicadores a utilizar.
  2. As necessidades da sociedade, nomeadamente quais os tipos de formação que as empresas mais procuram e que têm dificuldade em encontrar – este pode ser um indicador muito volátil e que é preciso rever com frequência, mas é, ainda assim, melhor do que o anterior.
  3. As aptidões dos formando são o terceiro indicador que o Governo deve considerar quando decide que novos cursos abrir, que cursos fechar e em que cursos alterar os números clausus. De nada adianta abrir centenas de vagas anualmente para cursos de matemática, se depois o número de alunos que concorrem e conseguem aceder a esses cursos é uma ordem de grandeza abaixo – dezenas de novos alunos anualmente para centenas de novas vagas.
  4. Os seus próprios planos para o futuro são o quarto factor. Munido do conhecimento que lhe é dado pelos factores anteriores, principalmente as necessidades da sociedade e as aptidões dos formandos, o Governo tem a obrigação de planear um caminho para o país, e de acordo com esse plano disponibilizar a formação que lhe facilite atingir esses planos.

O Governo tem a obrigação de planear o futuro da sociedade e ao longo dos séculos têm-no feito. Em Portugal foi o que fizeram os sucessivos Reis quando lavaram as cartas de forais que permitiram a fixação de inúmeras aldeias e vilas um pouco por todo o nosso pais, é o que fez D. Dinis quando plantou o pinhal de Leiria – e é verdade que ele não terá planeado mais do que uma pequena parte do impacto que as suas medidas tiveram na história de Portugal, mas ainda assim, a Marinha Grande, Leiria e as centenas de pequenas e grandes aldeias, vilas e cidades que existem naquela região não existiriam hoje sem o pinhal, mas antes uma região completamente deserta.

Mas planear o futuro não é só fechar três cérebros numa sala escuro – ou pior do que isso, três intelectualoides parvos – e criar um plano magnifico que depois se fecha a sete chaves para que ninguém o descubra. Planear o futuro é um processo muito mais dinâmico e interactivo, que se quer feito em colaboração com toda a sociedade, principalmente porque é essa sociedade que tem que desempenhar o papel de construir esse futuro.

É preciso organizar a sociedade, explicar o que se pretende criar e porquê, perceber quais os pontos de discórdia com a visão proposta e resolver os significativos, e acima de tudo, mobilizar a sociedade para conseguir melhorar o presente um pouco a cada dia, construindo assim o futuro.

Mas, planear o futuro não é só pensar no projectos que são interessantes, nos brinquedos (ou mamarrachos, ou estátuas e edifícios) que se quer ter no futuro. Planear o futuro é mesmo acerca de criar um futuro melhor, um futuro que sirva todos o que vão viver esse futuro, não aqueles que aproveitam o presente para construir esse futuro.

Um discurso que se ouve frequentemente é o das grandes obras públicas que estimulam a economia. Se por um lado é verdade que as grande obras públicas podem, nas condições certas – que nem sempre existem, estimular a economia, também é verdade que muitas vezes não são indispensáveis, em muitos casos nem sequer satisfazem uma verdadeira necessidade presente ou de um futuro razoável, e em quase todos os casos representam uma despesa astronómica.

Muitas vezes é empurrada para as gerações futuras, sob a forma de contratos com empresas privadas que aparentemente deveriam lucrar no futuro com a exploração das infra-estruturas criadas, mas cujas previsões de lucro são largamente sobre-estimadas, e em que os contratos prevêm indeminizações a ser pagas quando tais expectativas não são atingidas.

Uma outra má opção utilizada para financiar estes projectos é financiá-los com dívida pública de longo prazo, que é depois paga com juros demasiado elevados.

Claro que financiar estes projectos ao longo da sua execução está fora de questão, uma vez que a gestão corrente do Estado já custa mais do que a totalidade da receita. Mas, então, se não há dinheiro para financiar estes projectos com o orçamento corrente e não se está a investir dinheiro para ter dinheiro no futuro para cumprir estes compromissos, como é que é susposto os futuros governos pagarem as dívidas que assim são criadas?

Gerir o futuro é também garantir que deixamos para o futuro mais para receber do que pagar. Governar para as próximas eleições é criminoso e deveria ser punido. Qualquer governo que seja responsável por aumentar o défice, por muito pouco que seja, deveria ser chamado a prestar contas por isso.

Governar responsavelmente passa também por planear com antecedência os grandes projectos. Governar sabiamente passa também por gastar normalmente um pouco menos do que o possível, para em alturar de crise se pode estimular a economia. Governar é algo que precisa ser feito todos os dias, mas sempre com o futuro em mente.

E isso passa também, provavelmente todos os dias, por moldar um pouco a sociedade e por ser moldado por ela. Passa por perceber que é preciso governar o presente ao mesmo tempo que se pensa no futuro.

No fundo, o juramento de tomada de posse de qualquer governante deveria incluir (provavelmente terminar com) a frase:

Que eu tenha sempre a serenidade de aceitar tudo aquilo que não pode e não deve ser mudado, a força para mudar tudo o que pode e deve ser mudado, e, acima de tudo, a sabedoria para distinguir umas coisas das outras.

E que cada Governo deixe para o seu sucessor um pais um pouco melhor e mais fácil de governar do que aquele que encontrou.

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