Pró-vida e Pró-escolha

Ainda que há pouco tempo tenha sido revista a legislação relativa ao aborto, para melhor, na minha opinião, há ainda muito a dizer acerca do tema… ainda que nem tudo possa ser colocado numa qualquer lei.

No último referendo o que estava em causa era tão somente se queriamos mandar para a prisão as mulheres que faziam um aborto ou não. Houve algumas questões secundárias que se colocaram na altura, como se os abortos se deveriam fazer nas instituições de saúde publicas ou não.

Claro que, a partir do momento em que fazer o aborto é legal, mais vale que seja feito em instituições de saúde de qualidade, pois são os serviços públicos que terão que cuidar das pessoas a quem os abortos forem feito de forma inadequada.

Nesta questão, a nossa sociedade organizou-se principalmente em dois grupos, que acabaram por ficar conhecidos, cá e no resto mundo ocidental, como Pro lifePro Choice (Pró-vida e pró-escolha), mas a verdade é que pró-vida somos todos, e as escolhas apresentadas pelo outro lado também não foram muitas.

E é por isso que, penso, a discussão deveria ter sido muito mais alargada. Se somos realmente pró-vida, penso que a nosso obrigação é apresentar opções que tornem mais fácil escolher a vida, e se somos pró-escolha… bem, que escolhas apresentamos para quem quer escolher?

Educação Sexual e de saúde

Antes de mais temos a questão cultural. Uma parte razoável dos abortos poderia ser evitado se as raparigas (e os rapazes) tivessem um pouco mais de conhecimento sobre o funcionamento do sistema reprodutor humano. E, claro, se engravidam sem perceber que correm esse risco, que risco não correm estas mulheres de apanhar doenças sexualmente transmissiveis?

Esta é uma medida que é importante implementar. Não porque resolva o problema dos abortos entre as faixas etárias mais velhas, mas porque se trata de uma medida indispensável a reduzir o risco de doenças sexualmente transmissíveis, e o número de abortos para o futuro.

Mas, não podemos cometer o erro comum, por exemplo, nos Estados Unidos, de tentar convencer os nossos adolescentes de que a abestinência é a única forma segura de não engravidar nem apanhar doenças. Sim, eu sei que essa é a verdade, mas essa verdade não é suficientes. É inevitável que uma quantidade elevada de pessoas tenha relações sexuais antes do casamento, e até que o faça com mais do que um parceiro. A natureza é muito forte e de nada serve tentar contrariá-la. Mais vale explicar aos entrevinientes finais como minorar os riscos e esperar que eles utilizem esse conhecimento da melhor forma possível. E sim, é bom informá-los que há uma opção que consegue evitar a transmissão de doenças e gravidezes indesejadas.

Adopção mais simples

Há uma grande quantidade de abortos que são consequência da consciência das futuras mães de que não têm condições para criar as crianças. Seja porque são ainda muito novas, seja porque não têm condições financeiras para isso, seja por qualquer uma de muitas razões.

Mas a verdade é que se quizerem ter a criança, em Portugal dar essa criança para adopção não é simples. Pior do que isso, temos inúmeras instituições de solidariedade social com centenas de crianças cujas familias não podem cuidar delas, orfãos, crianças abandonadas e muito mais. Crianças que precisavam de familias que as acolhessem, e quando essas familias aparecem, o processo de adopção é tão moroso, tão cheio de condições que muitas das familias que ainda consideram a adopção como uma possibilidade acabam por desistir. Alguns depois de iniciarem o processo ou de se informarem acerca dele, outros mesmo antes disso.

Tornar o processo de adopção mais simples e rápido não é assim tão complicado. Poderemos falar sobre o tema mais à frente, num futuro post, mas tornar o processo de adopção mais simples é um passo importante para permitir que mulheres que engravidam e que ponderam fazer ou não um aborto optem por ter a criança. Se uma criança saudável que entre no sistema de adopção tiver uma possibilidade razoável de ser adoptada em pouco tempo, apresentar a doação para adopção como uma alternativa passa a ser aceitável. Infelizmente, hoje não é.

Custódia Conjunta

Sistemas de custódia conjunta, seja com instituições de solidariedade social, seja com particulares – pode ser especialmente viável com familiares. Imaginemos uma rapariga ainda nova, que engravide – sim, eu preferia que isto não acontecesse, mas ainda assim isto vai continuar a acontecer, cada vez menos, esperemos – e cujos ascendentes directos não têm condições de criar a criança. Mas essas condições existem no seio da familia alargada (tios ou avós da rapariga, por exemplo), assim como o desejo de criar essa criança. Porque razão se há-de iniciar um processo de adoção, que passe por retirar a criança à mãe, quando se poderia, alternativamente, entregar a custódia da criança a um terceiro, que irá ajudar a criar a criança, que lhe dará todas as condições para o seu sádio desenvolvimento, e ainda assim permitir que a mãe seja parte activa na vida da criança?

Eventualmente, claro, a custódia definitiva da criança poderá ser entregue à mãe biológica ou à familia que partilhava a custódia da criança, se a mãe passar a ter as condições necessárias para criar a criança e esse desejo ou se concluir que a mãe causa graves problemas à criança. Ambas as situações devem, no meu entender, ser consideradas como uma solução de recurso, e idealmente uma criança que começa a sua vida com uma custódia partilhada, especialmente se por um periodo significativo da sua infância, deverá manter essa custódia, ou as mudanças consequêntes destas alterações devem ser preparadas, poderadas e adequadamente faseadas. Mas estas são o tipo de situações que não se colocam numa lei, mas no bom senso de todos os envolvidos nestes processos.

Os processos partilhados com instituições públicas, e especialmente a sua implementação, devem também ser considerados com extremo cuidado. As situações são tão diversas que quase sempre terão que ser consideradas caso a caso, e não é minha ideia apresentar aqui a solução final para todos estes problemas – muitos deles problemas sociais bem mais graves do que apenas o nascimento de uma criança, e não estou a considerar de animo leva o nascimento de uma criança – mas, por exemplo, quando encontramos uma familia a viver sem o minimo de condições, não seria mais adequado verificar o que podemos fazer para lhes dar mais condições, ao invés de adicionar mais um problema psicológico grave aos já graves problemas que essa familia têm, retirando-lhes uma criança, que apesar de todas as dificuldades amam, e a quem gostariam de proporcionar melhores condições?

Não é incomum alojarem-se centenas de pessoas de uma só vez porque queremos acabar com um bairro de barracas que fica inestético, mas quando encontramos uma familia em que, muitas vezes, mais do que um membro da familia tem empregos estáveis, mas que ainda assim não lhes permitem viver acima do que consideramos o mínimo aceitável para criar uma criança escolhemos retirar-lhes a criança ao invés de realojar essas pessoas com condições dignas.

A nossa sociedade organizou-se por funções, por empregos e por tarefas, cada um de nós é aquilo que faz, e limita-se a desempenhar esse seu papel no melhor das suas capacidades, mas se isso serve adequadamente as empresas industriais, e até certo ponto as empresas de serviços, isso é um péssimo serviço social. Ao contrário do que acontece numa linha de montagem, em que cada uma das muitas pessoas apenas tem que fazer a sua função bem e nem sabe que algures mais à frente há outra máquina, com outra pessoa, para fazer uma outra tarefa, com as tarefas sociais a questão é muito mais complexa, penso eu.

Nas questões sociais é necessário ver os problemas numa prespectiva mais global, perceber de forma aberta a totalidade do problema e as diversas formas de transformar o problema numa mais valia de longo prazo para a sociedade, numa forma de acabar com o maior número de problemas de uma forma consertada, e não de resolver apenas o problema imediato e à frente dos nossos olhos. Um tecto a desabar não caí apenas em cima da cabeça da criança, pode cair também em cima da cabeça dos pais. Quando uma mulher vive na rua, não é apenas a criança que pode morrer de frio, quando uma familia deixa de poder pagar a prestação da casa não são apenas as crianças que ficam em risco. Este tipo de situações destroem muitas familias, e não são apenas as crianças que sofrem com isso. Muitas vezes são os pais que mais ajuda precisam.

Mas, claro, vai continuar sempre a haver mulheres a preferir abortar, esperemos que pelas razões certas, e vai haver sempre crianças que vão estar melhor num lar do que em casa dos pais, por muitas condições que essa casa tenha. Mas, claro, se a casa tiver condições ninguém se vai preocupar com a criança. Afinal de tudo não passa de um miudo mimado, com tudo o que possa precisar.


Leave a comment

Your comment